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Desde meados do século dezesseis, quando a cultura da cana-de-açúcar começou no país, a cachaça passou a fazer parte do cotidiano dos brasileiros. De lá pra cá, ela já foi entoada em verso e prosa, de marchinha de Carnaval a música caipira raiz. Na maioria das vezes, o tom é de humor, mas, quando se fala sobre o mercado da bebida no Brasil, a conversa é muito séria.

Minas Gerais é o estado que mais produz cachaça no Brasil. Segundo o último levantamento oficial feito pelo Ministério da Agricultura e Pecuária, em 2021, das 936 cachaçarias registradas no país, 353 estabelecimentos estão em terras mineiras, mais que o dobro do segundo colocado, São Paulo, onde há 143. O grande destaque é a Região de Salinas, no Norte do estado, que, desde outubro de 2012, foi reconhecida como uma Indicação de Procedência (IP) pelo Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI). A busca pelo reconhecimento foi feita pela Associação dos Produtores Artesanais de Cachaça (Apacs), em parceria com o Sebrae Minas. A instituição também fez, recentemente, um trabalho de reposicionamento da marca com o apoio do programa Agente Local de Inovação Indicação Geográfica (ALI IG). “O objetivo da iniciativa é melhorar os processos de gestão das Indicações Geográficas, considerando sua regulamentação, controle, proteção e promoção”, explica o analista do Sebrae Minas Albertino Correia Filho.

Entre as 609 cidades produtoras de cachaça do Brasil, Salinas reúne o maior número de negócios, 16 empreendimentos formalizados. O registro no INPI inclui totalidade do município e do vizinho Novorizonte, além de parte das cidades de Taiobeiras, Rubelita, Santa Cruz de Salinas e Fruta de Leite. O que os locais têm em comum? Terreno fértil, clima propício para a plantação de várias cepas de cana-de-açúcar e leveduras orgânicas naturais para a fermentação do caldo extraído do vegetal, além de abrigarem alambiques artesanais quase centenários, responsáveis por uma explosão de aromas e sabores.

Tradição

O antigo tropeiro Anísio Santiago é considerado a primeira referência da cachaça na região. A Havana, criada por ele no início da década de 1940, tornou-se conhecida internacionalmente e chamou a atenção do mercado para a qualidade da cachaça local. Pouco tempo depois, por volta de 1955, o fazendeiro Olímpio Mendes iniciou a fabricação de rapadura e cachaça de forma caseira para vender a amigos, parentes e vizinhos da Fazenda Matrona, localizada em Taiobeiras, a 18 km de Salinas. Com o passar do tempo, o filho Alfredo começou a auxiliar na comercialização e distribuição dos produtos.

Em 2003, com a morte de “Seu” Olímpio, o neto Lucas Mendes ajudou a conceber a marca Tabúa, além de ser o mestre alambiqueiro de outro rótulo, a Saliníssima. A Tabúa possui classificação Flor de Prata (envelhecida durante um ano em tonel de jequitibá) e Flor de Ouro (envelhecida por dois anos em tonel de umburana e mais cinco em madeira de bálsamo). Responsável pela modernização do negócio familiar a partir da construção de um novo alambique, Lucas acompanhou de perto o trabalho do bolsista do ALI IG, realizado durante 12 meses, até abril de 2024. “Foi muito importante. A orientação dos bolsistas fortaleceu o vínculo dos empreendedores com o conceito de Indicação Geográfica. Houve visitas a propriedades associadas e também a Paraty (RJ), outro polo produtor importante. Além disso, aprendemos como fazer uma leitura detalhada dos Cadernos de Especificações Técnicas (CET) a partir de práticas reconhecidas pelo INPI”, explica Lucas.

Turismo

Para o produtor, a expertise do Sebrae Minas em relação às indicações geográficas contribui para fortalecer as marcas e abrir novos mercados, além de atrair visitantes. “Tudo isso traz reconhecimento e agrega valor à nossa tradição de produzir cachaça de qualidade. O trabalho dá credibilidade para que o consumidor tenha confiança para adquirir um produto autêntico. A produção da cachaça traz riqueza, gera emprego e é um patrimônio turístico.”

O incremento ao turismo é um dos focos do trabalho desenvolvido na região, que envolve várias ações, como os programas Origem Minas e Prepara Gastronomia. “Para fomentar o desenvolvimento e a sustentabilidade dos pequenos negócios de cachaça na Região de Salinas, trabalhamos com uma abordagem multidisciplinar, que inclui educação empreendedora, desenvolvimento de ecossistemas de inovação e uso estratégico de indicações geográficas”, afirma Danielle Fantini, analista do Sebrae Minas. No Prepara Gastronomia, por exemplo, foram atendidas 14 empresas do segmento de alimentação de Salinas, em especial bares e restaurantes. “Entre consultorias e capacitações, as empresas aprenderam sobre boas práticas, precificação e desenvolvimento do cardápio de drinks autorais feitos a partir da cachaça local e frutos do Cerrado”, ressalta.

Jean Oliveira preside a Associação dos Produtores Artesanais de Cachaça, que tem 27 integrantes. Crédito: Pedro Vilela

Recentemente, em 5 e 6 de junho, o Sebrae Minas promoveu, junto com a Apacs, o 1º Seminário da Cachaça de Salinas. Especialistas abordaram temas: Carbamato de Etila, Madeiras e Cachaças, Bebidas Mistas e Derivados da Cachaça e uma nova bebida, o “Caná”, que está sendo testada como controle de qualidade, análise sensorial, modelos de fermentação e destilação, o uso da madeira no processo de envelhecimento e novidades sobre bebidas mistas derivadas da cachaça. O Sebrae também apoiou o Festival Mundial da Cachaça, que movimentou Salinas entre 12 e 14 de julho. E outra atração turística de destaque no município é o Museu da Cachaça, onde o visitante pode vivenciar todo o processo produtivo e conhecer a história da cachaça na região.

A força do coletivo

O associativismo foi a forma adotada pelos empreendedores da Região de Salinas para lutar por interesses comuns e pela valorização de seus produtos. Atualmente, a Apacs conta com 27 membros, responsáveis por 54 rótulos, 25 deles com o selo de Indicação Geográfica do INPI, modalidade Indicação de Procedência. A produção desse coletivo gira em torno de 2 milhões de litros e movimenta cerca de R$ 3 milhões por ano.

Presidente da associação desde maio de 2023, o empresário Jean Henrique de Oliveira não cultiva cana-de-açúcar nem fabrica cachaça em alambique próprio. Porém, em 2021, tornou-se sócio da Vila Nobre, bebida que possui classificações do tipo Ouro (envelhecimento em tonel de bálsamo e umburana) e Prata (envelhecido em tonel de jequitibá). “São produtos que têm a cara mais jovial, moderna, com uma comunicação diferente”, explica. Para ele, a função da Apacs é apoiar e proteger a IG de ameaças externas, principalmente da falsificação. E, para isso, o reconhecimento do INPI foi fundamental. “O registro da IG blinda nossos produtos e garante a autenticidade. A associação é a gestora da IG da Região de Salinas, resguardando a tradição, a qualidade e a procedência.”

Institucionalmente, Jean ratifica a importância da parceria com o Sebrae Minas. Segundo ele, o ALI deu suporte para reestruturar estratégias de valorização da Indicação Geográfica. Para o empreendedor, a bebida de alambique, feita a partir de prática artesanal, é que deu fama à região, e a tradição ganha força com ações como as do Sebrae e do Instituto Federal do Norte de Minas (IFNMG), onde está disponível um curso superior de produção de cachaça. “Quando se fazem a fermentação e a destilação, são produzidas partes que chamamos de “cabeça”, “coração” e “cauda”. A cabeça possui elementos que fazem mal ao organismo; a cauda é uma espécie de resquício, um tipo de água fraca; e o coração é o néctar. No alambique, conseguimos separar e ficar apenas com o coração, fazendo descarte das outras partes. Já o processo industrial é direto e junta tudo em um produto só. O diferencial é que a cachaça de alambique, artesanal, apresenta mais qualidade de aroma, textura e sabor”, explica.

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