Diversos nomes de peso passaram pelo primeiro dia (11/11) da 10ª edição da MAX – Minas Gerais Audiovisual Expo, o maior evento do audiovisual em Minas Gerais e um dos mais relevantes do Brasil. Um dos painéis mais aguardados do dia foi “Do Roteiro à tela: a importância de um bom desenvolvimento”, com o roteirista Pedro Freire; Clarisse Goulart, da Conspiração; a pesquisadora Laura Godoy, da Pavic; e a roteirista Fernanda Leite; com mediação de Juliana Lira, da Lira Filmes.
Os convidados discutiram sobre roteiro maduro; laboratórios, salas de roteiro e consultorias; prazos e tempo para entrega de obras; como lidar com prazos curtos para entrega de roteiros; financiamentos; pesquisa para roteiros; dicas para quem está começando; e outros assuntos relevantes do audiovisual.

Pedro Freire, roteirista e diretor de “Malu”, longa premiado como Melhor Filme no Festival do Rio e Melhor Roteiro Original no Grande Prêmio do Cinema Brasileiro, conversou com exclusividade com a Agência Sebrae de Notícias (ASN) sobre o universo de um roteirista. Confira a entrevista.
ASN: O painel abordou a diminuição de investimento em desenvolvimento. Quais consequências você percebe disso na qualidade dos roteiros e na formação de novos roteiristas?
Pedro Freire: Acredito que é bem evidente. O roteirista ou o diretor que quer escrever seu próprio roteiro, muitas vezes vai escrever sem saber se o filme vai sair. Ele vai escrever nas horas vagas, entre um trabalho e outro, de noite, depois do seu dia de trabalho. Muitos profissionais nem conseguem escrever dessa forma. Eu, por exemplo, não consegui.
Eu só fui fazer o meu primeiro longa depois dos 40 anos, porque eu consegui um emprego que me pagou tanto dinheiro que eu podia parar de trabalhar para os outros durante um ano. Só assim pude finalmente escrever meu roteiro. Antes disso, eu estava trabalhando tanto, dirigindo televisão, curtas, escrevendo roteiro para os outros, fazendo preparação de elenco, e eu nunca tinha tempo para pensar com calma. E para escrever uma primeira versão de um roteiro é, pelo menos, seis meses a um ano, e anos para chegar numa versão final. Malu, por exemplo, foram cinco anos até chegar na versão final.
Então, é claro que se você corta dinheiro para desenvolvimento de roteiro, os roteiros vão piorar de qualidade porque menos gente boa vai poder escrever e as pessoas que conseguirem vão escrever nas horas vagas, sem prestar tanta atenção, sem poder se dedicar totalmente a isso. Quem tem dinheiro para parar um ano da sua vida só para escrever um roteiro? Quase ninguém.
ASN: Como você definiria o que é um bom roteiro?
Pedro Freire: Depende. Se a pessoa quiser fazer uma comédia, por exemplo, um bom roteiro precisa de timing, piadas engraçadas, personagens engraçados, identificação das pessoas. Cada gênero tem suas características. Os roteiros bons, em geral, são roteiros em que o diretor e o roteirista se identificam. É importante também falar do que você conhece, acredita, se identifica.
Pegando o exemplo da comédia, é importante avaliar por que você vai fazer um roteiro de comédia? Porque você realmente quer fazer as pessoas rirem, contar uma história que acha engraçada, rir no cinema, ou por que você quer ganhar dinheiro? Se você quiser ganhar dinheiro, pode até ser que ganhe, mas o roteiro não vai ficar tão bom.
ASN: O que tem observado nas novas gerações de roteiristas — tanto em termos de talento quanto de desafios estruturais?
Pedro Freire: Temos uma geração muito boa vindo aí. Eu vejo muitos cineastas mais velhos comentando das novas gerações, que não veem os filmes clássicos e não trabalham tanto. Eu dou aula e conheço muitos jovens que querem fazer cinema para tirar onda de diretor, porque acha que vai ganhar dinheiro, acha muito bonito e glamoroso. Mas eu também conheço muita gente esperta e cinéfila. Então, eu acredito que vem uma geração muito boa por aí.
ASN: Malu tem uma linguagem muito pessoal e emocional, mas também dialoga com temas universais. Como foi o processo de desenvolvimento do roteiro para equilibrar autenticidade e empatia com o público?
Pedro Freire: Malu foi um filme muito pessoal. Decidi fazer um filme sobre a minha mãe. Inicialmente, faria um filme sobre a juventude dela, nos anos 70 em São Paulo, lutando contra a ditadura, fazendo arte política. Mas aí eu me toquei que era uma geração dos jovens dos anos 70, que eu aprendi a ver como heróis perfeitos, que lutavam contra a ditadura usando a arma da arte. Mas percebi que eu tenho uma visão idealizada dessa geração, uma dificuldade de criticar. E então percebi que não queria fazer um filme louvando uma geração, eu queria fazer um filme que tivesse um olhar crítico, com as coisas boas e as coisas ruins.
Fui entendendo que queria fazer um filme de gerações, sobre um período da vida da minha mãe, que com 55 anos estava muito deprimida, morando numa casa semi-abandonada, com a mãe dela muito conservadora. Quando eu e a minha irmã íamos visitar no Natal era sempre um choque, um embate de três gerações que eram completamente diferentes. Quando entendi que eu queria três gerações de mulheres, foi só botar todas as minhas memórias no papel e começar a organizar o que entraria no filme.
ASN: Quanto tempo levou o processo de escrita e reescrita de “Malu”?
Pedro Freire: Foram 5 anos de desenvolvimento do roteiro, um ano até conseguir filmar e mais um ano pós-produzindo. Depois, um ano lançando nos festivais e viajando pelo mundo.
Foram dez versões do roteiro, a última versão só foi fechada na semana de início de filmagem. Eu fiz muitas improvisações com as atrizes e, a partir dessas improvisações, eu modifiquei um pouco o roteiro, melhorei algumas coisas. Tem frases memoráveis no filme que não são minhas, como a “Você sabia que a bromélia para ficar bonita precisa sofrer?”. Essa frase é da Juliana Carneiro da Cunha, uma gênia da improvisação.
ASN: Como foi o processo para a produção do filme, depois do roteiro pronto?
Pedro Freire: Eu procurei a Tatiana Leite com uma sinopse de três páginas. Não tinha nem roteiro ainda. Ela é uma produtora relativamente pequena, mas eu sabia que o meu primeiro longa não ia ser um grande projeto. Tanto que eu escrevi já pensando nisso: passar 80% numa mesma locação, com três, quatro atores. Ela leu aquelas três páginas e falou: “Nossa, eu quero muito fazer esse filme”. A Tatiana já gostava dos meus curtas, então, eles me abriram portas.
Eu queria fazer um filme pequeno, de baixo orçamento, porque eu sabia que um primeiro longa de um diretor desconhecido não iria conseguir 5 milhões, 10 milhões de reais. Fizemos Malu com 1 milhão e meio de reais, que é um orçamento muito pequeno. A gente só conseguiu por causa da dedicação e do comprometimento da equipe e do elenco, que abdicaram de grandes salários.
ASN: A MAX é um ponto de encontro entre criadores e novos talentos. Que conselho você daria a quem está começando a escrever seu primeiro roteiro e sonha em ver sua história nas telas?
Pedro Freire: A melhor dica que eu posso dar para jovens cineastas ou aspirantes a cineasta é filmar. Filme muito, o tempo todo, sem parar. Hoje em dia tem um celular no bolso com uma câmera 4K. Não tem desculpa para não fazer curtas. Junte os amigos e faça um curta, que não é para ganhar Cannes ou ir para festivais. É para você, para ter a experiência de pensar uma ideia, desenvolver um roteiro, conseguir ter a iniciativa que um diretor tem que ter de conseguir produzir uma equipe que tope fazer o projeto.
No início você vai ter poucos parceiros, mas corra atrás para fazer uma obra audiovisual, mesmo sem orçamento. E continue fazendo. Eu não fiz só os curtas na faculdade, eu fiz oito curtas no total. Eu sempre dava um jeito de filmar e isso fez muita diferença para mim, pois isso me recolocou no mercado, as pessoas viam meus curtas, gostavam e me chamavam para trabalhar.
É um absurdo a quantidade de gente que eu vejo querendo dirigir o primeiro longa sem nunca ter dirigido um curta. Você tem a possibilidade de treinar, não é fazer uma brincadeira. É fazer um filme. É parar para pensar uma ideia, desenvolver um roteiro, produzir aquilo e fazer um filme, editar, mostrar para as pessoas. É fazer um filme, só que curto, que você faz em 3 dias, em vez de ter que parar sua vida durante 5 anos. Então, façam curtas. Os curtas abrem as portas no mercado audiovisual. É a minha dica para todo mundo.
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